Enigma


Acordei, encarei o mundo. Cogitei seriamente desistir de momentos e pessoas. Realidade falsa na próxima esquina, perspicácia insiste por outro caminho; o relento congelando meu sangue e a mente fluindo em qualquer lugar. Quis dormir mais uma vez, quis sonhar.

Dormi sonhando. Eu vivo a noite dessa vez noutro lugar. Minhas pálpebras estão leves, consigo sentir meu corpo em acalento a respiração ofegante e certo enigma me servindo de morada. De olhos fechados estou enxergando você e o sinto próximo, sinto a carne quente, intimamente proibido e adorável.

Meu peito está latejando, você está vindo em direção a mim, com um sorriso absurdamente iluminado no obliquo de sua face, seu olhar prepotente direto me encabula e relativamente fico frágil necessitando de um toque teu fortalecedor. Seqüencialmente entrelaçaste sua mão na minha, me fazendo sentir cabal, fixa, em casa.

Eu não vou acordar. E ao longe, poucos passos distante, eu memorizei singelamente cada movimento seu, atentei cada gesto, e em exato eu tive certeza de que havia encontrado tudo que precisava, estava claro. E o desejo eloqüente de não nos desvencilharmos, olhar para o lado e ver que estávamos vivendo mesmo aquilo, alívio contente.
Acordei, encarei o mundo. Sonoridade real dessa vez. Calhei receosa uma olhadela ao lado e veja só, lá estava você. Pele clara, semblante aparentemente estável, e o sorriso indispensável...

Não espero demais de você, apenas o que eu preciso.

Beira – não.

300 mil metros de altitude, coração na ponta da língua, suor assíduo nas mãos. Assim me sinto prestes a cair da ponta de um precipício. Me pergunto por quê é sempre necessário chegarmos até aqui pra poder enxergar o quão enorme tem sido a burrada que fizemos durante o ano, o quanto demorei pra ter a noção de que a realidade dês - prazerosa é na verdade o dês-prazer no qual devemos doar mais cuidado e pretensão. Estou na beira, redenção berrando, ecoando o espaço.

Digamos que não deixei de aprender, e logicamente, vivenciei momentos ótimos e marcantes. Acrescentei conhecimentos, cravei amor. Não foi um tempo tenebroso, nem extremamente angustioso. Foi um ano de perguntas – não respondidas, de coisas não feitas, preguiça desenvolvidamente extensa, falta, é... Falta. O lugar onde estou mentalmente é alto, é vazio. Onde passando aos meus olhos um filme derivado, vejo nervosismo, menos força de vontade, desânimo. Seguir-se disso, o resultado é esse, o precipício.

E aí, chegamos a revira-volta. Não vou cair. Cá, entrevejo milhares de motivos para não me permitir a queda. Reencontro o que fui e faço esforço para tornar-me melhor. Me refaço, reconstruo meu futuro peculiar. Eu já toquei de “cara” o chão, me feri de todas as maneiras que você conseguira imaginar. Mas três ou dez esquinas a frente do meu caminho, me reinventei, mantive a dignidade e a força. Fui eu. De um jeito ou de outro.

Dessa vez não verás o meu corpo estilhaçado (in)visivelmente ao chão. Meus tímpanos estouram minha empolgação magnânima diligente. Estou crendo mais em me - ser. Acerbos alheios não vão diferir o meu crer em meu potencial. Sempre fiz parte da minha história, só que a partir de agora, estou declaradamente protagonizando-a. “Quem acredita sempre alcança” já dizia Renato Russo. Frase aparentemente clichê? Mas a vida é um clichê (confirmado).

Sem desvio, apenas dando um passo à diante.